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Dia 1: de férias.
Acordamos tarde, já passa das dez. Eu desço as escadas para abrir os estores da janela-porta que dá para o quintal. Saio para sentir o tempo. Não acredito na meteorologia do telefone. Está nublado e a pele das coxas arrepia-se. A manhã não dará para grandes mergulhos. Volto para dentro e procuro a caixa das cápsulas de café que tenho a certeza de que comprei e deixei algures, só não sei onde está. Sonhei com cactos e urticária. Tiro um café e bebo-o encostada ao balcão da cozinha. O chão está frio e tem migalhas que se colam à palma dos pés.
Ele desce as escadas. Traz ténis de corrida e uma bolsinha para pôr à cintura. Ainda tem o nariz vermelho do sol de ontem. Procura os phones. As coxas dele são definidas, tal e qual as das estátuas que vimos em Roma.
Partilhamos uma banana. Metade para cada um, não nos vá dar a fraqueza. Ele sai pelo portão. Eu visto roupa larga para treinar no jardim. Enquanto ele corre, eu estico-me e aguento durante longos minutos imóvel em posições desconfortáveis que vou alternando durante quase uma hora.
Tomamos banho com a mangueira do quintal. Secamos a pele ao sol que aparece, também cansado, depois de lutar para passar por entre o nevoeiro da manhã. Sentamo-nos de fato de banho na mesa da cozinha. Comemos torradas, sumo de laranja e café com leite.
Corto melancia em pedaços, encho garrafas de água e dobro as toalhas que deixámos a secar lá fora no estendal. Daí a meia hora estaremos na praia.
O mar está calmo e no cimo da serra ainda damos pela neblina que há-de voltar a passo cavalgante em direção a nós quando o sol se tiver de ir embora. Para já está numa pausa estratégica. Como se o topo da serra fosse uma bomba de gasolina a meio caminho do destino. A neblina bebe água, abastece, escolhe uns snacks a preço de ouro e umas gomas, porque não se comem gomas a não ser quando se pára na bomba de gasolina. Há-de seguir viagem, a galope na nossa direção, mas para já somos só nós e o sol quente nas costas.
Não me lembro se passei creme na dobra das pernas atrás do joelho. Viro-me de barriga para cima e continuo atenta, focada em terminar a façanha que tenho em mãos. Capítulo a capítulo, aproximo-me do fim. Não há nada no mundo parecido com a felicidade de estar quase a terminar um livro numa praia deserta. O barulho da água embala todas as histórias no ritmo certo, como um guitarrista que procura na voz da fadista o próximo acorde.
Ele volta da água e estende-se ao meu lado. Adormecemos os dois. Ele frio e eu quente. Acordamos com o vento que vem do norte e que anuncia o fim do dia. Neste lugar do mundo, o sol visita-nos quando quer, não há previsões da sua chegada, nem da sua partida. Dançamos com ele enquanto nos quer e deixamo-lo partir quando assim decide, sem grandes despedidas. É um namoro tóxico e inebriante.
Sentamo-nos no bar da praia. Pedimos tacos com polvo e cervejas geladas. Não deve passar das sete e não se vê ninguém. Há um nadador salvador encapuçado enfiado debaixo do guarda-sol e o senhor Júlio que esfrega copos com um pano encardido atrás do balcão. Além deles, somos só nós, a serra e a praia.
Havemos de voltar a casa, quando nos gelarem os pés e os lábios ficarem roxos. Para já enrolamo-nos nas toalhas e damos goles sôfregos. Falamos distraidamente não sei sobre o quê. Há nele uma aparente calma que invejo. Já que em mim haverá sempre frenesim — silencioso ou bravo, como o mar.
Chegamos a casa, tomamos um banho quente para tirar o sal, a areia e o frio do corpo e eu sento-me ao computador. Ele senta-se ao pé da lareira. Há um sossego que se instala nos ossos. Escrevo até ter muito sono e decidir que o dia chegou ao fim. Deitamo-nos e damos as mãos. Pergunto se podemos repetir tudo de novo amanhã e ele responde que sim.




Senti, Rita 🥰
Gostei imenso.